sexta-feira, 2 de novembro de 2012

UMA NAÇÃO CADA VEZ MAIS DEMOCRÁTICA E JUSTA?



Na minha infância, por ser sempre um moleque perguntador, eu ficava muito curioso com o que os adultos debatiam, e, um assunto particular me instigava: a política. Meus pais, conservadores e lacerdistas, sempre estavam envolvidos na família, com amigos e em locais públicos com conversas sobre como o Brasil poderia melhorar, defendendo pontos de vistas muito semelhantes, numa cumplicidade que me enchia de orgulho. Afinal meus pais além de falar de comidas, roupas, escola, disciplina como qualquer pai ou mãe fazem, eram pessoa consideradas muito inteligentes por serem claros no que se refere ao que pensavam para nossa Nação.
Mas eles brigavam muito entre si. Incompatibilidade de gênios, dizia meu pai. Irresponsabilidade, dizia minha mãe. E eu, meus irmãos e minha mãe voltávamos sempre para a casa de meus avós maternos, onde sempre fomos abrigados frente aos humores de minha mãe e de meu pai. Meu avô era um simpatizante das idéias progressistas e sempre me chamava a atenção uma frase que ficou gravada na minha memória: "um homem honesto é o que tira, legalmente, dos que possuem muito e dá estas riquezas aos que nada possuem".
Esse pensamento era muito conflitante com o que meus pais me diziam e que me levavam a ser um aluno excelente. Estude, se forme e seja um bom profissional. Era o que repetiam todo tempo para mim, quando eu recebia uma nota pior em alguma prova ou teste. Nunca repeti de ano. Sempre tive boas notas e, acredito os acostumei mal, pois perdia um ponto nas minhas notas 10, 9 ou 8 e meus pais cobravam.
Creio que é daí a minha preocupação com política. Muitos e muitas companheiros e companheiras de minha geração e a população em geral não querem ter mais problemas do que os já o possuem em seus cotidianos. Relegam a política para o segundo plano ou sequer a cogita em suas reflexões.




Eu cresci numa ditadura militar. Não se podia falar de política na escola. Tudo que podíamos fazer era ter alguém em quem confiar e externar nossos pensamentos. Eu me refugiei nos livros. Ia sempre à Biblioteca Nacional ou a do bairro, ou as bibliotecas dos amigos e amigas. Falar, cantar, declamar versos, ler determinados jornais, revistas, livros e textos era perigoso, avisavam meus pais, preocupados com o filho que não se conformava com o medo em que as pessoas viviam.
Entrei na universidade. Pronto! Foi ali a perdição e os segundos contatos com a companheirada que lutava aguerrida contra o regime militar. Os primeiros foram tão assustadores que prefiro apagar da memória, pois me faz lembrar de coisas muito tristes.
Eu já me sentia mais livre para ler os clássicos do materialismo dialético histórico, afinal chegávamos à metade da década de 70...os ianques levando uma surra dos Vietcongs...o mundo parecia que ia explodir numa festa vermelha comunista. O tão temido comunismo de que discorriam os militares justificando seus horrores ditatoriais, sua violência generalizada contra tudo e todos que os tentavam dar vida aos obscuros anos mortíferos do após golpe de 1964.
E ficamos naquele sonho, nossos operários liderados por uma liderança ainda pouco conhecida, um homem que despontava em meio a greves desafiadoras da famigerada Lei de Segurança Nacional. Lei famosa por não estabelecer limites aos militares na sua sanha de perseguir, prender, torturar, desaparecer e matar todos os seus inimigos sejam políticos ou por questões pessoais. Isso, inclusive, deveria ser objeto de estudos. Quantos não devem ter sido assassinados por motivos puramente pessoais da casta de militares?



Aquele operário, da região mais industrializada do país, o ABCD paulista, enfrenta todos os poderes para conseguir ser ouvido, ele e sua companheirada. Era o nosso Lula! E ele foi preso, e ele foi fichado e ele...
Não ficou só! Alguns militantes de esquerda, inclusive eu, o temiam por pensarmos ele ser um pelego, um tipo de sindicalista muito comum na época. Afinal, liderava um sindicato que recolhia o Imposto Sindical!
Lula, entretanto foi uma surpresa não tão surpresa. Surge o movimento pró-partido dos trabalhadores e, ele, é o líder mais respeitado.
Início dos anos 80, o Partido dos Trabalhadores é fundado (alguns anos mais tarde - se não me engano, 1983, me filiei formalmente) e será fundamental para dar legitimidade ao processo de extinção dos poderes políticos dos militares, num grande mutirão dos diversos protagonistas sociais e populares para a transição pacífica em um processo de democratização da vida política brasileira.
O país chega ao fundo do poço do terror que emerge das revelações do que se passou nos subterrâneos da ditadura militar. As denúncias de torturas, assassinatos políticos e desaparecimentos de pessoas correm de boca em boca, começam a ser denunciados entre a população e os meios de comunicação passam a ter que noticiar sobre esta página negra de nossa vida política. Meus pais se decepcionam e minha mãe, pela primeira vez na vida, abraça as idéias de democracia popular e de condenação ao comportamento dos militares. Um livro joga a pá de cal em qualquer justificativa ou desculpas ao que ocorreu de tão vil com nossa Nação: é o "Tortura Nunca Mais". A vergonha nacional está ali estampada, nua e crua!




Em 1988 é promulgada a nova constituição sem o voto de aprovação do PT. Eta partidinho sempre do contra...já virava um debate entre as pessoas.
A luta pelas eleições diretas em 1984 e, depois pela eleição do Tancredo Neves (da qual o PT não participou - burguês por burguês...), significou um ascenso do movimento de massas no Brasil que nos levou a uma pequena mudança nas relações entre os agentes políticos. A tutela dos militares ficou menos intensa e a vontade popular foi expressada em manifestações, greves, eleições mais livres e democráticas. Muito vigor dos setores democráticos levou o país a romper com a legislação autoritária e os anos noventa prometiam.  O Partido dos Trabalhadores era o impertinente que denunciava as artimanhas que os políticos tradicionais armavam para manter a dominação das oligarquias que, agora, com o fim da ditadura tinham que se reorganizar, dando os anéis sem perder os dedos.
A União Soviética e os países socialistas do Leste Europeu passaram por rupturas que os levou a outras relações em suas próprias sociedades e com os demais países europeus. Os partidos comunistas se fracionaram, surgiram novos atores políticos como o Solidariedade na Polônia. A Iugoslávia também se esfacelou, submergindo numa guerra fratricida. O mundo socialista sucumbiu à política de reestruturação e abertura proposta pelo último poderoso secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética.
Correu mundo a ideia do fim da História. Não haviam mais dois blocos de super poder, não havia mais confronto entre capitalismo e comunismo. O primeiro tinha vencido a batalha ideológica.



No Brasil, o que víamos? Um partido de origem operária, com propostas radicais de mudanças na sociedade, alinhado às forças populares, socialistas, comunistas e até anarquistas.
Os militares torceram o nariz, porém as ações de massa, povo na rua exigindo liberdades democráticas, amplas, sem intervenção de poderes armados e organizados em partidos políticos, fizeram com que o poder anacrônico, opressivo e sem legitimidade fosse derrotado. O Brasil se levantava depois de se ver de joelhos, frente aos interesses das multinacionais e do capitalismo financeiro.
Em 1989, Lula fica para disputar as eleições no segundo turno com Collor de Mello e no último debate antes das eleições, amplamente divulgado pelas organizações populares e pelo próprio Partido dos Trabalhadores, se tornou peça chave para a vitória do candidato operário. Uma decepção! Lula se entrega às manipulações de Collor e, no dia seguinte a Rede Globo (como recentemente admitiu seu diretor geral à época, Boni) editou o debate no Jornal Nacional de sábado, véspera da eleição, cavando, assim, o enterro da candidatura que poderia iniciar a mudança econômica, social e política naqueles anos.
As organizações do povo, socialistas, populares e democráticas continuaram avançando. As lutas não foram abandonadas, em diversos lugares do país foram organizadas frentes políticas para criação do poder popular. Associações de Moradores, conselhos paritários entre cidadãos e Estado, organizações de afro-brasileiros, mulheres, índios, por rádios livres, pelo cuidado com o meio ambiente, pela inclusão social dos deficientes físicos, pelo direito de cidadania plena da população LGBT, pela reforma agrária (Movimento dos Sem Terras e assemelhados), pelos direitos dos Sem Moradia. O Estado democrático instituído pela Constituição de 1988 já teria que ser revisto e incorporar as muitas demandas da sociedade que teimou em não ficar parada, em não se dobrar ao neoliberalismo, a nova ideologia, que veio no esteio do "fim do socialismo". Dizia-se que era chegada a hora da "globalização", hoje menos de 30 anos depois já tão démodé em se citar.



Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente da República, recebendo um país com inflação quase a dois dígitos, dívida externa impagável e mal resolvida com os credores internacionais, o dólar valendo quase quatro reais, o país passando por um processo profundo de desindustrialização: resumindo, o caos.
Em quatro o novo Presidente da República inverte todas as previsões negativas para o Brasil, diminui todos os índices negativos e introduz políticas sociais exitosas. É reeleito em 2006, consolidando o processo de transformações e conduzindo o país aos melhores anos de sua existência, com o resgate social mais profundo de sua história. O processo democrático, entretanto, continua patinando na Democracia representativa. Não há avanços na estruturação e institucionalização de um poder popular mais decisório.
Em 2010 o ex-presidente Lula apresenta ao povo sua sucessora, a ex-ministra das Minas e Energia, depois ministra da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Roussef, que é eleita num processo onde a oposição, já sem bandeiras, apela aos setores mais conservadores, racistas e retrógrados do eleitorado com uma plataforma mal debatida e sem sustentação política ameaçadora ao intento dos setores democráticos e populares. A oposição, como uma última tentativa de não perder o trem da História passa, em coro com parte da mídia ligada aos interesses dos grandes agiotas e financistas internacionais, a fazer campanha contra "a corrupção", identificando-a com o PT e a esquerda. Um abaixo assinado, entretanto, une toda a sociedade no Movimento pela eleição de candidatos ficha limpa (sem condenação na Justiça). Ela é aprovada no Congresso Nacional e passa a valer a partir das eleições em 2012.
A democracia brasileira não tem aprofundado suas raízes no seio dos setores sociais que podem ser definidos como os guardiões de seus preceitos e de sua legitimidade. O processo de eleições a cada dois anos está criando um estranhamento do povo a tantas promessas não cumpridas e não se faz ser entendido que eleições, simplesmente, não resolvem as diferenças sociais e políticas que existem no Brasil, país onde impera uma enorme desigualdade social, diferenças regionais profundas, miséria e pobreza ainda não extinguidas.
Os índices das mudanças estão melhores, mas aquém do que é necessário para que possamos dizer que vivemos em um país democrático. É preciso qualificar o processo educacional. Os investimentos em saúde, transportes, energia, meio ambiente e segurança se tornam cada dia mais urgentes e necessários para ontem...
Milhões ascenderam em renda e em consumo, porém existem milhões que ainda clamam por Justiça em nossa sociedade: os imigrantes e migrantes escravos, os trabalhadores rurais, os trabalhadores menos qualificados, os povos da Amazônia, os indígenas, as crianças e adolescentes vitimados pela exclusão social e tantos outros setores alijados dos poderes de decisão e sem forças de convencimento.
A esperança não deve nos paralisar!



Meu pai e minha mãe, se vivos hoje - dia de finados de 2012 - estariam felizes em ver o Brasil que surgiu dessas últimas eleições: um país que aponta para mudanças e que, se não houver traições e golpes ao Estado de Direito e ao poder da representação, pode caminhar no aperfeiçoamento de sua democracia participativa e decisória.
As forças das mudança em todo o Brasil foram exitosas, apesar da organização espúria da oposição com o Poder Judiciário Federal, que julgou o chamado ""mensalão do PT" durante todo o processo eleitoral. Todo dia a população foi bombardeada com informações vindas de um verdadeiro Tribunal de Exceção que acusava lideranças antigas do PT de formação de quadrilha e corrupção. O tiro saiu pela culatra. O povo não se deixou enganar e olhou para sua própria vida, melhor do anos atrás e disse "nessa não caio". O Partido dos Trabalhadores foi o único, dos grandes partidos, que cresceu - acompanhado por um partido de porte médio (que é da base de sustentação do governo federal), o Partido Socialista Brasileiro - fundado pelo saudoso líder pernambucano, Miguel Arraes.
Nosso povo, entretanto, aponta para a necessidade de modificações na vida política! Ele deseja mais do que ir até a urna e digitar um número. Ele que ter voz e voto nas decisões cotidianas dos governos. Ele quer gestores da administração pública realizando os programas para os quais foram eleitos e não promessas que nunca serão cumpridas devido ao carreirismo político de falsas lideranças.
A democracia está numa encruzilhada: caminhará para ser uma farsa, ficando restrita às camadas mais poderosas e organizadas da população ou avançará para sua forma participativa, popular, em que os maus políticos paguem, antes das eleições, pelos danos que causam à sociedade, através de organismos que constituem o poder popular e seus aperfeiçoamentos.

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